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domingo, 5 de fevereiro de 2012

O socialismo e a religião

Leia inteiramente o texto antes de responder as questões de 1 a 6.
Por Vladimir Lenin em 1905

A sociedade contemporânea assenta toda na exploração das amplas massas da classe operária por uma minoria insignificante da população, pertencente às classes dos proprietários agrários e dos capitalistas. Esta sociedade é escravista, pois os operários “livres”, que trabalham toda a vida para o capital, só “têm direito” aos meios de subsistência que são necessários para manter os escravos que produzem o lucro, para assegurar e perpetuar a escravidão capitalista.
A exploração econômica dos operários causa e gera inevitavelmente todos os tipos de opressão política, de humilhação social, de embrutecimento e obscurecimento da vida espiritual e moral das massas. Os operários podem alcançar uma maior ou menor liberdade política para lutarem pela sua libertação econômica, mas nenhuma liberdade livrá-los-á da miséria, do desemprego e da opressão enquanto não for derrubado o poder do capital. A religião é uma das formas de opressão espiritual que pesa em toda a parte sobre as massas populares, esmagadas pelo seu perpétuo trabalho para outros, pela miséria e pelo isolamento. A impotência das classes exploradas na luta contra os exploradores gera tão inevitavelmente a fé numa vida melhor além-túmulo como a impotência dos selvagens na luta contra a natureza gera a fé em deuses, diabos, milagres etc. Àquele que toda a vida trabalha e passa miséria a religião ensina a humildade e a paciência na vida terrena, consolando-o com a esperança da recompensa celeste. E àqueles que vivem do trabalho alheio a religião ensina a beneficência na vida terrena, propondo-lhes uma justificação muito barata para toda a sua existência de exploradores e vendendo-lhes a preço módico bilhetes para a felicidade celestial. A religião é o ópio do povo. A religião é uma espécie de má aguardente espiritual na qual os escravos do capital afogam a sua imagem humana, as suas reivindicações de uma vida minimamente digna do homem.
Mas o escravo que tem consciência da sua escravidão e ergueu-se para a luta pela sua libertação já semideixou de ser escravo. O operário consciente moderno, formado pela grande indústria fabril, educado pela vida urbana, afasta de si com desprezo os preconceitos religiosos, deixa o céu à disposição dos padres e dos beatos burgueses, conquistando para si uma vida melhor aqui, na terra. O proletariado moderno coloca-se ao lado do socialismo, que integra a ciência na luta contra o nevoeiro religioso e liberta os operários da fé na vida de além-túmulo por meio da sua união para uma verdadeira luta por uma melhor vida terrena.
A religião deve ser declarada um assunto privado — com estas palavras exprime-se habitualmente a atitude dos socialistas em relação à religião. Mas é preciso definir com precisão o significado destas palavras para que elas não possam causar nenhum mal-entendido. Exigimos que a religião seja um assunto privado em relação ao Estado, mas não podemos de modo nenhum considerar a religião um assunto privado em relação ao nosso próprio partido. O Estado não deve ter nada a ver com a religião, as sociedades religiosas não devem estar ligadas ao poder de Estado. Cada um deve ser absolutamente livre de professar qualquer religião que queira ou de não aceitar nenhuma religião, isto é, de ser ateu, coisa que todo o socialista geralmente é. São absolutamente inadmissíveis quaisquer diferenças entre os cidadãos quanto aos seus direitos de acordo com as crenças religiosas. Deve mesmo ser abolida qualquer referência a uma ou outra religião dos cidadãos em documentos oficiais. Não deve haver quaisquer donativos a uma igreja de Estado, quaisquer donativos de somas do Estado a sociedades eclesiásticas e religiosas, que devem tornar-se associações absolutamente livres e independentes do poder de cidadãos que pensam da mesma maneira. Só a satisfação até o fim destas reivindicações pode acabar com o passado vergonhoso e maldito em que a igreja se encontrava numa dependência servil em relação ao Estado e em que os cidadãos russos se encontravam numa dependência servil em relação à igreja de Estado, em que existiam e eram aplicadas leis medievais e inquisitoriais (que ainda hoje permanecem nos nossos códigos e regulamentos penais) que perseguiam pessoas pela sua crença ou descrença, que violentavam a consciência do homem, que ligavam lugarzinhos oficiais e rendimentos oficiais à distribuição de uma ou de outra droga pela igreja de Estado. Completa separação da igreja e do Estado — tal é a reivindicação que o proletariado socialista apresenta ao Estado atual e à igreja atual.
A revolução russa deve realizar esta reivindicação como parte integrante necessária da liberdade política. Neste aspecto a revolução russa está colocada numa posição particularmente vantajosa, porque a abominável burocracia da autocracia policial-feudal causou o descontentamento, a agitação e a indignação mesmo entre o clero. Por mais embrutecido, por mais ignorante que fosse o clero ortodoxo russo, até ele foi agora acordado pelo estrondo da queda da velha ordem medieval na Rússia. Até ele adere à reivindicação de liberdade, protesta contra a burocracia e o arbítrio dos funcionários, contra a fiscalização policial imposta aos “servidores de Deus”. Nós, socialistas, devemos apoiar este movimento, levando até o fim as reivindicações dos membros honestos e sinceros do clero, agarrando-lhes na palavra sobre a liberdade, exigindo deles que rompam decididamente todos os laços entre a religião e a política. Ou sois sinceros, e então deveis ser favoráveis à completa separação da igreja e do Estado e da escola e da igreja, a que a religião seja completa e incondicionalmente declarada um assunto privado. Ou não aceitais estas reivindicações conseqüentes de liberdade, e então quer dizer que sois ainda prisioneiros das tradições da Inquisição, então quer dizer que ainda vos agarrais aos lugarzinhos oficiais e aos rendimentos oficiais, então quer dizer que não acreditais na força espiritual da vossa arma, continuais a receber subornos do poder de Estado, então os operários conscientes de toda a Rússia declarar-vos-ão uma guerra implacável.
Em relação ao partido do proletariado socialista a religião não é um assunto privado. O nosso partido é uma associação de combatentes conscientes e de vanguarda pela libertação da classe operária. Essa associação não pode e não deve ter uma atitude indiferente em relação à inconsciência, à ignorância ou ao obscurantismo sob a forma de crenças religiosas. Reivindicamos a completa separação da igreja e do Estado para lutar contra o nevoeiro religioso com armas puramente ideológicas e só ideológicas, com a nossa imprensa, com a nossa palavra. Mas nós fundamos a nossa associação, o POSDR, entre outras coisas precisamente para essa luta contra qualquer entontecimento religioso dos operários. E para nós a luta ideológica não é um assunto privado mas um assunto de todo o partido, de todo o proletariado.
Se assim é, por que é que não declaramos no nosso programa que somos ateus? por que é que não proibimos os cristãos e os que acreditam em Deus de entrar para o nosso partido?
A resposta a esta questão deve esclarecer a importantíssima diferença na maneira burguesa-democrática e social-democrata de colocar a questão da religião.
O nosso programa assenta todo numa concepção do mundo científica, a saber, a concepção do mundo materialista. A explicação do nosso programa inclui por isso necessariamente também a explicação das verdadeiras raízes históricas e econômicas do nevoeiro religioso. A nossa propaganda inclui também necessariamente a propaganda do ateísmo; a edição da correspondente literatura científica, que o poder de Estado autocrático-feudal rigorosamente proibia e perseguia até agora, deve agora constituir um dos ramos do nosso trabalho partidário. Teremos agora, provavelmente, de seguir o conselho que Engels uma vez deu aos socialistas alemães: traduzir e difundir maciçamente a literatura iluminista e ateísta francesa do século XVIII.
Mas ao fazê-lo não devemos em caso nenhum cair num modo abstrato e idealista de colocar a questão religiosa “a partir da razão”, fora da luta de classes, como não poucas vezes é feito pelos democratas radicais pertencentes à burguesia. Seria um absurdo pensar que, numa sociedade baseada na opressão e embrutecimento infindáveis das massas operárias, pode-se, puramente por meio da propaganda, dissipar os preconceitos religiosos. Seria estreiteza burguesa esquecer que o jugo da religião sobre a humanidade é apenas produto e reflexo do jugo econômico que existe dentro da sociedade. Não é com nenhum livro e nem com nenhuma propaganda que pode-se esclarecer o proletariado se não o esclarecer a sua própria luta contra as forças negras do capitalismo. A unidade desta luta realmente revolucionária da classe oprimida pela criação do paraíso na terra é mais importante para nós do que a unidade de opiniões dos proletários sobre o paraíso do céu.
É por isso que não declaramos nem devemos declarar o nosso ateísmo no nosso programa; é por isso que não proibimos nem devemos proibir aos proletários que conservaram estes ou aqueles vestígios dos velhos preconceitos que aproximem-se do nosso partido. Sempre defenderemos a concepção do mundo científica, é-nos necessário lutar contra a inconseqüência de quaisquer “cristãos”, mas isto não significa de modo nenhum que deva-se avançar a questão religiosa para primeiro lugar, que de maneira nenhuma lhe pertence, que se deva admitir a dispersão das forças da luta realmente revolucionária, econômica e política, por causa de opiniões ou delírios de terceira ordem que perdem rapidamente todo o significado político e são rapidamente deitados para a arrecadação dos trastes velhos pelo próprio curso do desenvolvimento econômico.
A burguesia reacionária preocupou-se em toda parte e começa agora também a preocupar-se no nosso país em atiçar a hostilidade religiosa, para desviar para esse lado a atenção das massas das questões econômicas e políticas realmente importantes e fundamentais, que o proletariado de toda a Rússia, que se une na sua luta revolucionária, está agora a resolver na prática. Esta política reacionária de dispersão das forças proletárias, que hoje se exprime principalmente nos pogroms das centúrias negras, talvez pense amanhã em quaisquer formas mais sutis. Nós, em qualquer caso, opor-nos-emos a ela com uma propaganda, tranqüila, conseqüente e paciente, isenta de todo o avivamento de divergências de segunda ordem, da solidariedade proletária e da concepção do mundo científica.
O proletariado revolucionário conseguirá que a religião se torne realmente um assunto privado para o Estado. E neste regime político, depurado do bolor medieval, o proletariado travará uma luta ampla e aberta pela eliminação da escravidão econômica, verdadeira fonte do entontecimento religioso da humanidade.

Exercícios

1) No primeiro parágrafo, Lenin denuncia uma injustiça da sociedade em que foi contemporânea. Qual é esta injustiça?
2) O que seria a escravidão capitalista para Lenin?
3) Procure saber em uma pesquisa suscinta quem foi Vladimir Lenin.
4) Leia:  "Àquele que toda a vida trabalha e passa miséria a religião ensina a humildade e a paciência na vida terrena, consolando-o com a esperança da recompensa celeste." Nesta frase, no contexto em que ela está colocada no texto, Lenin demonstra ser favorável ou a favor da religião em uma sociedade capitalista?
5) O que Lenin quis dizer quando argumenta que "A religião é o ópio do povo"?
6) Lenin prega a proibição da religião? Qual é a visão de Lenin quando a relação entre Estado e Religião?




3 comentários:

  1. Um texto bem flexionado,bem redigido!

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  2. Pontos a se considerar:
    1 - A religião é pré-existente às organizações socio-economicas (muito mais ao capitalismo) logo esse pseudo casamento que socialismo faz entre religião e alienação não cabe. Uma vez que em sociedades onde não houve capitalismo e um tipo de vida mais igualitário a religião existe da mesma maneira.
    2. Essa visão se baseia em um mal conhecimento da religião (sobretudo cristã). Lennin, Marx e toda a escola vermelha podem até ter produzido 'bom' material sociológico, mas em termos de visão teológica, soteriológica e escatológica.. são um desastre. Uma má concepção do Deus Cristão, das Verdades absolutas das Escrituras e do ensino dado aos cristãos nos templos é que dá "base" à esta visão. Desmistificando isso, posso dizer que o Cristianismo jamais fomenta revolta contra as injustiças sociais, MAS, TODAVIA, tampouco prega conformidade. As escrituras nos ensinam que nossa vida nessa terra deve ser levada não como um fim em si mesmo, mas como um meio para o fim que fomos criados, ou seja, glorificar à Deus. (cf. Confissão de Fé de Westminster). João Calvino explica bem isso, e a falta da leitura dos quatro volumes de suas Institutas da Religião Cristã ajudaria a melhorar essa pobre concepção do cristianismo. O céu não é para pobres exclusivamente, o céu é para eleitos! O crente não ignora as injustiças da vida pensando em recompensa futura e perene, pelo contrário, ele sofre querendo ver a justiça ser feita e os opressores receberem a paga justamente porque a partir de que suas vidas foram refeitas em CRISTO seus anseios são iguais ao de Jesus no lar celeste onde não há dor, tristeza, opressão, roubo e etc. Resumindo, o céu não é consolo pra quem sofre apenas, é para todos que entendem que o céu não é uma imagem utópica, mas a perfeita realidade, enquanto que esta vida sim é uma imagem borrada.

    3. Uma nuvem (gama) de intelectuais cristãos (e de outras religiões também) têm criticado a visão socialista da religião e isso mostra que longe de estarem alienados quanto ao processo pelo qual o mundo passou desde o século XVIII os cristãos são na verdade OS MAIS PREOCUPADOS! Filósofos como Alvin Platinga e William Lane Craig estão aí expressando a vívida sociologia e filosofia cristã com propóstas perfeitamente válidas ao mundo, coisa que o socialismo passa longe. Colocados encima de uma mesa, o socialismo passa a parecer sonho de criança frente ao cristianismo. Eu sou dos que creem que só existe tanto socialista no mundo porque não há tanto estudo sério da religião e de teológia sistemática. Se se estudasse religião e teologia com mais seriedade de certo o socialismo iria (de vez) falir.

    CONTINUA...

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  3. parte 2

    O desencantamento de que Fala Weber em suas obras foi deveras acelerado pelo materialismo e o naturalismo e a ciência sim é o deus deste século. O naturalismo foge de debates abertos às propostas ciêntificas (tanto naturais como sociais). Enquanto isso continua sendo perpetuada nas nossas escolas o Marxismo como fato sociológico comprovado e o Darwismo como lei cientifica e fato comprovado.
    Há como nossos jovens raciocinarem desse jeito?? Quantos deles ouviram falar em Platinga, Mises, Hayek, Von Bawrek, Calvino, Craig, Inteligent Design, Vincent Cheung, C.S. Lewis, F. Schaeffer, Berkhof, Van Til etc.. etc..)?? Eu estudo em uma universidade de ciências humanas segundo pesquisa NINGUÉM! NINGUÉM! conhece realmente estes homens/conceitos. (com excessão de Lewis por crônicas de narnia kkkk).

    Então.. o que é realmente o ópio aqui?? A falsa ideia de guerra de classes, o materialismo, o naturalismo ISSO SIM é que droga a humanidade na era pós moderna, com pluralismo, relativismo, subjetivismo e toda essa porcaria moral e ética que prendem nossos jovens em vícios primitivos reduzindo-os a organismos que trabalham e vivem para suprir suas necessidades fisiológicas! O capitalismo não é satanás, ele é só mais um demônio juntamente com marx sua orda, o socialismo e etc! Isso sim tem feito a sociedade empobrecer o espírito involuir cada vez mais ao nível quase que... animais irracionais!

    E a religião é o ópio?? É sério?? Se tem uma voz em meio a essa sociedade caótica que prega o desprendimento de tudo isso para uma vida saudável e realmente feliz é a religião meus chapas! Vamos ampliar nossas leituras, diversificar o discurso e produzir mais ao invés de só reproduzir!

    Aqui vos fala um ex-ateu, marxista, convertido ao Cristianismo histórico (calvinista), graduando em geografia pela universidade do estado do amazonas, estudante (por conta própria) de teologia e sociologia. De idiomas (grego e hebraico) e não sou nem um pouco mais feliz ou alienado com relação ao caos social por causa da religião, pelo contrário, eu vejo (por causa da religião) tudo com masi clareza e com discernimento realmente crítico. Se tem uma coisa que a minha religião fez comigo foi isso, me abrir os olhos em e fazer mais niilista, triste e desesperançoso com essa sociedade carnal! Graças a Deus que isso tudo é o meio e não o fim, isso consola? Sim! Aliena? de forma alguma!

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